Exercendo
a Heresia
Jefferson Felix dos Santos[*]
Resumo
A perseguição aos judeus não se deu
apenas pelo âmbito religioso, mas também pelo âmbito econômicos sendo os judeus
acusados e condenados constantemente por qualquer mal que sobrevenham aos
territórios pertencentes aos cristãos-velhos. Ao exercer o seu desenvolvimento
econômico, os judeus também estavam exercendo a heresia, a heresia de crescer
economicamente e intelectualmente, o medo de serem subjugados por aqueles que
não seguem as leis de Cristo, as oportunidades econômicas apresentadas na nova
colônia portuguesa e os incessantes ataques aos barcos portugueses provocados
pelos protestantes ingleses, impulsionaram as visitações da inquisição
portuguesa no Brasil. O presente trabalho tenta realizar um diálogo entra
trabalhos realizados, propondo uma discussão sobre a importância dos judeus no
desenvolvimento econômico do Brasil.
Palavras
chaves: Judeus. Heresia. Inquisição.
1.
Múltiplos
contextos
Para
conquistar o trono português, Felipe II teve que passar por uma disputa
acirrada, com a morte de D. Sebastião em 1578, o trono foi ocupado por se
tio-avô, o Cardeal D. Henrique, este já tendo idade avançada e não possuindo
filhos, após a sua morte em 1580, possibilitou no surgimento de um importante
problema: quem assumiria o trono? Para resolver isso se candidataram seis
pessoas: dois sendo de origem italiana; a rainha Catarina de Médicis; D.
Antônio, prior do Crato; dona Catarina, duquesa de Bragança e o rei espanhol
Felipe II, este com os dois últimos eram netos de D. Manuel I. A disputa ficou
entre o rei Felipe II e D. Antônio, este, porém perdeu por ser bastardo. Após
assumir o trono, o rei Felipe II, pois logo em prática as suas estratégias
políticas objetivando a União Ibérica. Segundo Daniela Levy, “antes da decisão
das Cortes portuguesas, no fim de junho de 1580, Felipe II invadiu Portugal com
forte exercito para segurar a coroação” (p.28, 2008). Uma das medidas tomadas
foi a formação do conselho português, este porém só era consultado quando lhe
era conveniente, e a promessa realizada com o objetivo de respeitar a autonomia
portuguesa, que também só era respeitada quando esta atendia aos interesses
espanhóis, e por ultimo as autoridades
portuguesas na nova colônia, ( Brasil), não foram mudado.
O
reinado de Felipe II foi, porém, bastante agitado pelas reformas protestantes,
que uma vez por outra incidia contra o seu reinado. Como representante do
catolicismo, Felipe II participou do movimento da contrarreforma, a sua
dedicação religiosa estava associado aos interesses das estatais, para Costa:
As preocupações
do soberano espanhol com a suposta pureza religiosa em seus domínios, ou seja,
com o respeito à ortodoxia católica, aparentemente refletiam o seu medo frente
às investidas inimigas realizadas contra os territórios ibéricos no ultramar (COSTA 2007, p.28).
Uma
das medidas tomadas por Felipe II para tentar solucionar este problema foi o
entrelaçamento ideológico entre o Estado e a Igreja, nesta perspectiva, ambas
trabalhariam juntas para monopolizar a nova colônia contra a propagação
herética que circundava a colônia portuguesa, o aprisionamento através do
convencimento ou da coação religiosa para Costa, “evangelização não se
desenrolou no território brasileiro, baseada em discurso religioso universalista,
doutrinário e guerreiro, foi condicionada pelo projeto colonial português,
posto em pratica tendo como justificativa a expansão católica” (p.36, 2007). As
principais medidas para combater os avanços das crenças protestantes foram a
reorganização da inquisição romana em 1542; a realização do Concilio de Trento
em 1545-1563; a publicação de Index de livros e autores proibido, entre estes
está a Bíblia em linguagem; e a aprovação da Companhia de Jesus em 1540.
Para
Azzi, os lusitanos tinha uma concepção que vai além dos interesses econômicos,
para ele os lusitanos incutiam a certeza de serem um povo seleto, escolhido
para espalhar a verdadeira e genuína fé.
Importa ainda
ressaltar que, na perspectiva ideológica dos lusitanos, a escolha divina não se
limita apenas ao monarca, mas se estendia a todo povo. Os portugueses, de fato,
consideravam-se como povo escolhido pó Deus para conservar e expandir a fé
católica (AZZI, 1987. P.42).
No
Brasil a Companhia de Jesus instalou-se em 1549, e tinha como caráter militante
da Contra-Reforma obstinados a catequizar os nativos da nova colônia
portuguesa, sendo missionários tiveram como suas principais armas o saber e o
ensino. No final do século de XVI, instalaram-se também a ordem dos Beneditinos
em 1581, primeiramente em Salvador; os Carmelitas em 1583 e os Franciscanos em
1585, que inicialmente se instalaram em Olinda; no século XVII chegaram também
os Capuchinos, os Mercedários, os Carmelitas Descalços os Oratorianos e os
Agostinianos e em 1820 os Lazaristas. A grande maioria sem deficientes em
termos de instrução e que de forma desorganizada se distribuíam pelo solo
brasileiro. Desta forma que houve a monopolização colonial, a Igreja doutrinava
os novos cristãos e ao mesmo tempo contribuía para o fortalecimento do domínio
da metrópole.
O
constate perigo vivenciado nas rotas marítimas podem ser observados na provisão
regia de 15 de dezembro de 1557, onde era ordenado a todos os navios
portugueses navegassem abastecidos com artilharia armas e munições. As atuações
francesas na baia de Guanabara entre 1555-1560, e no Maranhão português entre
1612-1615; bem como os ataques ingleses promulgando a pirataria nas rotas
marítimas, sobretudo, nos barcos portugueses, resultou em tomadas de medidas
emergências por parte do rei Felipe II. O crescimento econômico da metrópole
devido à maximização da produção de cana de açúcar e a exportação da mesma
possibilitaram nos referendos ataques sofridos pelos piratas ingleses, entre os
anos de 1589 e 1591, graças a grande produção e exportação do comercio
açucareiro no Brasil que cerca de sessenta e nove navios utilizados como
transporte do produto foram atacados e capturados por corsários autorizados
pela rainha Elizabeth I. Costa explica que,
Algumas ações
empreendidas por estrangeiros no litoral brasileiro ficaram registradas na
documentação inquisitorial referente à visitação de Heitor Furtado de Mendonça
às capitanias de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. Entretanto, através dos
relatos produzidos a partir das narrativas dos confitentes não é possível dizer
se tratavam de corsários que agiam sob autorização real ou de piratas que
atuavam independentemente em suas investidas. De todo o jeito qualquer uma
dessas ações minavam a autoridades luso-espanhola. (COSTA 2007, p.32).
Costa
também irá dizer que em 26 de novembro de 1594, dez homens procuraram o
inquisidor em Olinda para relatar que foram feitos prisioneiros no mar por
ingleses ou por franceses. Um dos relatos exposto em sua pesquisa foi o de
Miguel Dias de Paz, um mercador cristão, nascido na cidade do Porto e estante
na vila de Olinda, este estava em uma caravela em 1593 que partiu da Bahia em
direção a Olinda, quando foi atacada e capturada por ingleses luteranos a cem
léguas do seu destino. Miguel ficou entre 13 ou 14 dias em nau inimiga até
chegarem em terras Inglesas.
Em
sua experiência ele rela que durante esses dias em Miguel e seus companheiros
estiveram na nau inimiga, os ingleses luteranos realizaram duas cerimônias
diárias, e nestas ocasiões não se encontravam cruz, imagens e nem retábulo, e
todos liam livros enquanto outros respondiam em inglês.
Estas relações
travadas com protestantes, confessadas pelos homens raptados por estrangeiros
no mar eram claramente temidas por Felipe II. O alvará emitido por este monarca
em fevereiro de 1591 ilustra as preocupações da Coroa a respeito das
associações que poderiam se estabelecer entre idéias e prática herética e
ameaças econômicas, (COSTA, 2007. p. 32).
Este
alvará que costa fala refere-se ao um documento onde constam os danos causados
pelos estrangeiros, onde são tomadas como formas de precauções contra as ideias
e práticas heréticas e as ameaças econômicas.
.
2.
A inquisição e
as perseguições aos judeus na Europa.
A
inquisição foi um dos instrumentos político mais poderoso utilizado pela
Igreja, embasada nos objetivos de uniformizar as crenças e práticas religiosas,
combatendo e eliminando os cismas e as heresias. Para Azzi,
A hierarquia
eclesiástica, aliada ao poder monárquico, passou a persegui com violência todos
os que , pessoalmente ou em grupo, apresentassem interpretações diversas a
respeito do credo. Não obstante, com muita frequência, interesses de natureza
política ou econômica serviram de base para acusações versando sobre problemas
religiosos. (AZZI 1987 p. 119).
Com
a união ibérica os problemas da Espanha passaram a ser problemas de Portugal,
para Levy essa união prejudicou as relações econômicas existentes entre Holanda
e Portugal,
Com a
subordinação de Portugal à Espanha, e com o estabelecimento da política
repressiva de Felipe II contra Holanda, a liberdade de comercio entre
holandeses que estivessem nos portos de seus domínios na Europa, África, Ásia e
América. (LEVY 2008, p.28).
Os
judeus sofreram também este impacto, a criação da inquisição, e, sobretudo, da
inquisição espanhola o qual se demonstrou o mais cruel instrumento de
perseguição. Na Espanha a ambiguidade vivida pelos judeus, torna-se tema de
discussões nas pesquisas historiográficas. Com o Concilio de Latrão em 1215, as
atividades profissionais exercidas pelos judeus foram restritas em diversas
esferas sociais, porem estes eram constantemente solicitados em certos
propósitos demonstrando uma convivência superficialmente amigável entre ambos. Os
judeus ocupavam diversas ocupações, eles eram especialistas em navegação,
médicos e financiadores bastante requisitados. Em contraponto os judeus eram,
em todo o tempo de crise, fixamente acusados
de serem culpados pelos males ocorridos.
... As perseguições
aos judeus ocorriam em momentos de crise, seguindo uma geografia delineada
pelas dificuldades, sendo mais violenta nos locais onde estas eram maiores...
os judeus foram responsabilizados pela Peste Negra (1348) e pelas más colheitas
que atingiram a Europa (SILVA 2007, p.21).
Por
outro lado na Holanda os católicos eram os responsáveis pelos males ocorridos,
o que mostra os embates religiosos mais ferozes entre católicos e protestantes,
do que entre protestantes e judeus.
A oposição aos
católicos era mais forte do que a discriminação aos judeus. Quando havia
alagamento na cidade ou algum outro desastre natural, as acusações dirigiam-se
contra os católicos e não contra os judeus. Os católicos eram associados ao
papado demonizado. (LEVY 2008, p.37).
A
perseguição aos judeus não propõe ser um conflito totalmente religioso, mas uma
união de interesses puramente econômicos pelos chamados de cristãos-velhos, que
estavam perdendo espaço na economia ibérica para os judeus ascendentes de uma
economia de exportação, como também produtores intelectuais. A imposição de
bairros isolados, as perseguições constantes, e as conversões obrigatórias, era
a realidade vivida pelos chamados de cristãos-novos na união ibérica.
A
formação de uma nova classe denominada de judeus novos se deu pela pressão do
momento em que viviam, pois estes queriam ter o respeito perante a comunidade,
para Silva, “Muitas conversões se deram de repente, nos ataques as Aljamas[2].
Alguns fanáticos só paravam de atear fogo aos bairros judeus com a conversão de
um bom número de seus habitantes” (SILVA 2007, p.32). Com o concilio de
Basiléia de 1434, as proibições se intensificaram ainda mais, os judeus ficaram
proibidos de serem médicos, de terem relações regulares com cristãos, de terem
cristãos como criados, de habitar nos mesmos locais que os cristãos e foram
obrigados a ouvirem as pregações
católicas. A atmosfera insuportável de convivência não abateu a luta e o
crescimento dos judeus na união ibérica.
2.1.
Inquisição e judeus vivencias com os holandeses na colônias portuguesas.
Como
já foi possível observar, enquanto os judeus eram perseguidos, convertidos, e
obtiveram restrições que os impediram de exercer suas profissões de manter
relações como os cristãos bem como o direito de morar no mesmo lugar que eles.
Na Holanda essa realidade torna-se contraria em alguns aspectos, os judeus
tinha liberdade de exercer suas atividades econômicas, mantinham ótimas
relações com os protestantes, obtiveram excelentes destaques na alta sociedade,
e nas produções intelectuais, porém, eram constantemente instigados a se
converterem ao protestantismo, o que demonstram certa pressão, não tão
intensiva quanto na união ibérica, mas forte o bastante. A imigração dos judeus
portugueses a Amsterdã, também foi um dos fatores a essa pressão pela
conversão. O medo de esses se rebelarem contra os protestantes se aliarem aos
católicos – neste caso essa união estar associado à figura de rei Felipe II,
por estar em conflito com a Holanda, e por ser o representante o maior católico
na união ibérica.
A
ocupação dos judeus na nova colônia portuguesa se deu de duas formas. A
primeira foi com o começo da colonização realizada pelos portugueses, os judeus
viram a possibilidade de fugirem dos olhos da santa inquisição portuguesa, de obterem
lucros com a exportação açucareira, segundo Schwartz:
Uma situação em
certa medida de menor vigilância, além de uma estrutura mais aberta à ascensão
social, o que tornava a colônia particularmente atrativa para os
cristãos-novos. A indústria açucareira teve papel fundamental nessa atração (apud
SILVA 2007, p.42).
A
segunda se deu com a chegada dos holandeses em Recife em 14 de fevereiro de
1630. Os judeus tinham uma importante função, como cristãos-novos, eles falavam
fluentemente o português como também o espanhol, servindo de guia e de
intermediário nos negócios. Os judeus
passaram a ser financiadores da indústria de açúcar, corretores e exportadores
açucareiros, sendo também donos de engenho e consequentemente donos de
escravos.
Os
cristãos-novos donos de engenhos eram proprietários de escravos, como todo
senhor de engenho da época. Corria um boato na colônia, de que os escravos
preferiam senhores judeus a portugueses ou holandeses, pois os judeus lhes
davam dois dias de descanso por semana, enquanto os portugueses um só dia e os
holandeses (com sua doutrina calvinista da valorização do trabalho) nenhum dia
de descanso (LEVY 2008, p.45).
Com
a vinda dos cristãos-novos, com os incessantes ataques ingleses aos bascos
portugueses, o perigo holandês que objetivava a tomada das áreas da nova
colônia portuguesa, com o trabalho de catequização dos índios e a luta pela
conversão e repreensão dos negros. A Coroa teve que enviar a inquisição, para
auxiliar os donos de engenhos portugueses na busca pelo controle ideológico,
bem como também pelo interesse econômico propiciado pelo cultivo da cana-de
açúcar. As terras brasileiras foram
inspecionadas pela inquisição em 1591-1595, 1618-1620 e 1763-1769. Onde sua
principal atuação se dará, sobretudo, em Pernambuco, onde pela ocupação
holandesa, obterá o maior numero de cristãos-novos vivendo junto com os judeus,
aliando-se aos holandeses. A liberdade exercida pelos judeus, a construção de
sinagogas, e as vastas propriedades de engenhos, acirrou ainda mais restrições
e perseguições sofridas pelos judeus, fazendo com o que até a inquisição,
segundo Levy, penetrasse no território holandês onde não tinha jurisdição e
aprisionasse judeus, cristãos-novos para interrogatório...
Considerações
Finais
Em
todos os lados, tanto na perseguição mais feroz proporcionado pela inquisição
portuguesa em sua jurisdição, quanto no território holandês, onde os judeus
sofriam restrições, os interesses econômicos mostram-se, mas não unicamente,
preponderantemente influenciador nas tomadas de decisão repreensiva contra os
judeus, o que estava em jogo não era tão somente a ideologia religiosa, mas a
ascensão nas esferas econômicas que as bases eram desestruturadas e
direcionadas ao impedimento do avanço econômicos judaico, inferior
religiosamente, e que a mesma devem permanecer economicamente inferior. O que
predomina aqui é o medo. O medo de perder o poder, o medo de serem subjulgados
pelos heréticos o que estar relacionado com a busca pelo divino através da
perseguição aos chamados inimigos de Deus.
Referências
AZZI, Riolando. A Cristandade Colonial:
mito e ideologia. Petrópolis – RJ: Vozes 1987.
COSTA, Leticia Detoni S. da. O que as
Palavras Soam: Vivências religiosas na capitanias de Pernambuco, Itamaracá e
Paraíba em fins do século XVI. Recife 2007.
LEVY, Daniele Tonello. Judeus e Marranos
no Brasil Holandes – Pioneiros na Colonização de Nova York, (século XVII). São
Paulo 2008.
SILVA, Janaina Guimarães da Fonseca e.
Modos de Pensar, Maneiras de Viver: Cristãos-novos em Pernambuco no século XVI.
Recife 2007.
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