segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Exercendo a Heresia



Jefferson Felix dos Santos[*]

Resumo
A perseguição aos judeus não se deu apenas pelo âmbito religioso, mas também pelo âmbito econômicos sendo os judeus acusados e condenados constantemente por qualquer mal que sobrevenham aos territórios pertencentes aos cristãos-velhos. Ao exercer o seu desenvolvimento econômico, os judeus também estavam exercendo a heresia, a heresia de crescer economicamente e intelectualmente, o medo de serem subjugados por aqueles que não seguem as leis de Cristo, as oportunidades econômicas apresentadas na nova colônia portuguesa e os incessantes ataques aos barcos portugueses provocados pelos protestantes ingleses, impulsionaram as visitações da inquisição portuguesa no Brasil. O presente trabalho tenta realizar um diálogo entra trabalhos realizados, propondo uma discussão sobre a importância dos judeus no desenvolvimento econômico do Brasil.
Palavras chaves: Judeus. Heresia. Inquisição.
1.      Múltiplos contextos
Para conquistar o trono português, Felipe II teve que passar por uma disputa acirrada, com a morte de D. Sebastião em 1578, o trono foi ocupado por se tio-avô, o Cardeal D. Henrique, este já tendo idade avançada e não possuindo filhos, após a sua morte em 1580, possibilitou no surgimento de um importante problema: quem assumiria o trono? Para resolver isso se candidataram seis pessoas: dois sendo de origem italiana; a rainha Catarina de Médicis; D. Antônio, prior do Crato; dona Catarina, duquesa de Bragança e o rei espanhol Felipe II, este com os dois últimos eram netos de D. Manuel I. A disputa ficou entre o rei Felipe II e D. Antônio, este, porém perdeu por ser bastardo. Após assumir o trono, o rei Felipe II, pois logo em prática as suas estratégias políticas objetivando a União Ibérica. Segundo Daniela Levy, “antes da decisão das Cortes portuguesas, no fim de junho de 1580, Felipe II invadiu Portugal com forte exercito para segurar a coroação” (p.28, 2008). Uma das medidas tomadas foi a formação do conselho português, este porém só era consultado quando lhe era conveniente, e a promessa realizada com o objetivo de respeitar a autonomia portuguesa, que também só era respeitada quando esta atendia aos interesses espanhóis,   e por ultimo as autoridades portuguesas na nova colônia, ( Brasil), não foram mudado.
O reinado de Felipe II foi, porém, bastante agitado pelas reformas protestantes, que uma vez por outra incidia contra o seu reinado. Como representante do catolicismo, Felipe II participou do movimento da contrarreforma, a sua dedicação religiosa estava associado aos interesses das estatais, para Costa:




As preocupações do soberano espanhol com a suposta pureza religiosa em seus domínios, ou seja, com o respeito à ortodoxia católica, aparentemente refletiam o seu medo frente às investidas inimigas realizadas contra os territórios ibéricos no ultramar  (COSTA 2007, p.28).
Uma das medidas tomadas por Felipe II para tentar solucionar este problema foi o entrelaçamento ideológico entre o Estado e a Igreja, nesta perspectiva, ambas trabalhariam juntas para monopolizar a nova colônia contra a propagação herética que circundava a colônia portuguesa, o aprisionamento através do convencimento ou da coação religiosa para Costa, “evangelização não se desenrolou no território brasileiro, baseada em discurso religioso universalista, doutrinário e guerreiro, foi condicionada pelo projeto colonial português, posto em pratica tendo como justificativa a expansão católica” (p.36, 2007). As principais medidas para combater os avanços das crenças protestantes foram a reorganização da inquisição romana em 1542; a realização do Concilio de Trento em 1545-1563; a publicação de Index de livros e autores proibido, entre estes está a Bíblia em linguagem; e a aprovação da Companhia de Jesus em 1540. 
Para Azzi, os lusitanos tinha uma concepção que vai além dos interesses econômicos, para ele os lusitanos incutiam a certeza de serem um povo seleto, escolhido para espalhar a verdadeira e genuína fé.
Importa ainda ressaltar que, na perspectiva ideológica dos lusitanos, a escolha divina não se limita apenas ao monarca, mas se estendia a todo povo. Os portugueses, de fato, consideravam-se como povo escolhido pó Deus para conservar e expandir a fé católica (AZZI, 1987. P.42).
No Brasil a Companhia de Jesus instalou-se em 1549, e tinha como caráter militante da Contra-Reforma obstinados a catequizar os nativos da nova colônia portuguesa, sendo missionários tiveram como suas principais armas o saber e o ensino. No final do século de XVI, instalaram-se também a ordem dos Beneditinos em 1581, primeiramente em Salvador; os Carmelitas em 1583 e os Franciscanos em 1585, que inicialmente se instalaram em Olinda; no século XVII chegaram também os Capuchinos, os Mercedários, os Carmelitas Descalços os Oratorianos e os Agostinianos e em 1820 os Lazaristas. A grande maioria sem deficientes em termos de instrução e que de forma desorganizada se distribuíam pelo solo brasileiro. Desta forma que houve a monopolização colonial, a Igreja doutrinava os novos cristãos e ao mesmo tempo contribuía para o fortalecimento do domínio da metrópole.
O constate perigo vivenciado nas rotas marítimas podem ser observados na provisão regia de 15 de dezembro de 1557, onde era ordenado a todos os navios portugueses navegassem abastecidos com artilharia armas e munições. As atuações francesas na baia de Guanabara entre 1555-1560, e no Maranhão português entre 1612-1615; bem como os ataques ingleses promulgando a pirataria nas rotas marítimas, sobretudo, nos barcos portugueses, resultou em tomadas de medidas emergências por parte do rei Felipe II. O crescimento econômico da metrópole devido à maximização da produção de cana de açúcar e a exportação da mesma possibilitaram nos referendos ataques sofridos pelos piratas ingleses, entre os anos de 1589 e 1591, graças a grande produção e exportação do comercio açucareiro no Brasil que cerca de sessenta e nove navios utilizados como transporte do produto foram atacados e capturados por corsários autorizados pela rainha Elizabeth I. Costa explica que,
Algumas ações empreendidas por estrangeiros no litoral brasileiro ficaram registradas na documentação inquisitorial referente à visitação de Heitor Furtado de Mendonça às capitanias de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. Entretanto, através dos relatos produzidos a partir das narrativas dos confitentes não é possível dizer se tratavam de corsários que agiam sob autorização real ou de piratas que atuavam independentemente em suas investidas. De todo o jeito qualquer uma dessas ações minavam a autoridades luso-espanhola. (COSTA 2007, p.32).
Costa também irá dizer que em 26 de novembro de 1594, dez homens procuraram o inquisidor em Olinda para relatar que foram feitos prisioneiros no mar por ingleses ou por franceses. Um dos relatos exposto em sua pesquisa foi o de Miguel Dias de Paz, um mercador cristão, nascido na cidade do Porto e estante na vila de Olinda, este estava em uma caravela em 1593 que partiu da Bahia em direção a Olinda, quando foi atacada e capturada por ingleses luteranos a cem léguas do seu destino. Miguel ficou entre 13 ou 14 dias em nau inimiga até chegarem em terras Inglesas.
Em sua experiência ele rela que durante esses dias em Miguel e seus companheiros estiveram na nau inimiga, os ingleses luteranos realizaram duas cerimônias diárias, e nestas ocasiões não se encontravam cruz, imagens e nem retábulo, e todos liam livros enquanto outros respondiam em inglês.
Estas relações travadas com protestantes, confessadas pelos homens raptados por estrangeiros no mar eram claramente temidas por Felipe II. O alvará emitido por este monarca em fevereiro de 1591 ilustra as preocupações da Coroa a respeito das associações que poderiam se estabelecer entre idéias e prática herética e ameaças econômicas, (COSTA, 2007. p. 32).
Este alvará que costa fala refere-se ao um documento onde constam os danos causados pelos estrangeiros, onde são tomadas como formas de precauções contra as ideias e práticas heréticas e as ameaças econômicas.     
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2.      A inquisição e as perseguições aos judeus na Europa.
A inquisição foi um dos instrumentos político mais poderoso utilizado pela Igreja, embasada nos objetivos de uniformizar as crenças e práticas religiosas, combatendo e eliminando os cismas e as heresias. Para Azzi,
A hierarquia eclesiástica, aliada ao poder monárquico, passou a persegui com violência todos os que , pessoalmente ou em grupo, apresentassem interpretações diversas a respeito do credo. Não obstante, com muita frequência, interesses de natureza política ou econômica serviram de base para acusações versando sobre problemas religiosos. (AZZI  1987 p. 119).
Com a união ibérica os problemas da Espanha passaram a ser problemas de Portugal, para Levy essa união prejudicou as relações econômicas existentes entre Holanda e Portugal,
Com a subordinação de Portugal à Espanha, e com o estabelecimento da política repressiva de Felipe II contra Holanda, a liberdade de comercio entre holandeses que estivessem nos portos de seus domínios na Europa, África, Ásia e América. (LEVY 2008, p.28).
Os judeus sofreram também este impacto, a criação da inquisição, e, sobretudo, da inquisição espanhola o qual se demonstrou o mais cruel instrumento de perseguição. Na Espanha a ambiguidade vivida pelos judeus, torna-se tema de discussões nas pesquisas historiográficas. Com o Concilio de Latrão em 1215, as atividades profissionais exercidas pelos judeus foram restritas em diversas esferas sociais, porem estes eram constantemente solicitados em certos propósitos demonstrando uma convivência superficialmente amigável entre ambos. Os judeus ocupavam diversas ocupações, eles eram especialistas em navegação, médicos e financiadores bastante requisitados. Em contraponto os judeus eram, em todo o tempo de crise, fixamente acusados  de serem culpados pelos males ocorridos.
... As perseguições aos judeus ocorriam em momentos de crise, seguindo uma geografia delineada pelas dificuldades, sendo mais violenta nos locais onde estas eram maiores... os judeus foram responsabilizados pela Peste Negra (1348) e pelas más colheitas que atingiram a Europa (SILVA 2007, p.21).
Por outro lado na Holanda os católicos eram os responsáveis pelos males ocorridos, o que mostra os embates religiosos mais ferozes entre católicos e protestantes, do que entre protestantes e judeus.
A oposição aos católicos era mais forte do que a discriminação aos judeus. Quando havia alagamento na cidade ou algum outro desastre natural, as acusações dirigiam-se contra os católicos e não contra os judeus. Os católicos eram associados ao papado demonizado. (LEVY 2008, p.37).
A perseguição aos judeus não propõe ser um conflito totalmente religioso, mas uma união de interesses puramente econômicos pelos chamados de cristãos-velhos, que estavam perdendo espaço na economia ibérica para os judeus ascendentes de uma economia de exportação, como também produtores intelectuais. A imposição de bairros isolados, as perseguições constantes, e as conversões obrigatórias, era a realidade vivida pelos chamados de cristãos-novos na união ibérica.
A formação de uma nova classe denominada de judeus novos se deu pela pressão do momento em que viviam, pois estes queriam ter o respeito perante a comunidade, para Silva, “Muitas conversões se deram de repente, nos ataques as Aljamas[2]. Alguns fanáticos só paravam de atear fogo aos bairros judeus com a conversão de um bom número de seus habitantes” (SILVA 2007, p.32). Com o concilio de Basiléia de 1434, as proibições se intensificaram ainda mais, os judeus ficaram proibidos de serem médicos, de terem relações regulares com cristãos, de terem cristãos como criados, de habitar nos mesmos locais que os cristãos e foram obrigados a ouvirem as  pregações católicas. A atmosfera insuportável de convivência não abateu a luta e o crescimento dos judeus na união ibérica.
2.1. Inquisição e judeus vivencias com os holandeses na colônias portuguesas.
Como já foi possível observar, enquanto os judeus eram perseguidos, convertidos, e obtiveram restrições que os impediram de exercer suas profissões de manter relações como os cristãos bem como o direito de morar no mesmo lugar que eles. Na Holanda essa realidade torna-se contraria em alguns aspectos, os judeus tinha liberdade de exercer suas atividades econômicas, mantinham ótimas relações com os protestantes, obtiveram excelentes destaques na alta sociedade, e nas produções intelectuais, porém, eram constantemente instigados a se converterem ao protestantismo, o que demonstram certa pressão, não tão intensiva quanto na união ibérica, mas forte o bastante. A imigração dos judeus portugueses a Amsterdã, também foi um dos fatores a essa pressão pela conversão. O medo de esses se rebelarem contra os protestantes se aliarem aos católicos – neste caso essa união estar associado à figura de rei Felipe II, por estar em conflito com a Holanda, e por ser o representante o maior católico na união ibérica.
A ocupação dos judeus na nova colônia portuguesa se deu de duas formas. A primeira foi com o começo da colonização realizada pelos portugueses, os judeus viram a possibilidade de fugirem dos olhos da santa inquisição portuguesa, de obterem lucros com a exportação açucareira, segundo Schwartz:
Uma situação em certa medida de menor vigilância, além de uma estrutura mais aberta à ascensão social, o que tornava a colônia particularmente atrativa para os cristãos-novos. A indústria açucareira teve papel fundamental nessa atração (apud SILVA 2007, p.42).
A segunda se deu com a chegada dos holandeses em Recife em 14 de fevereiro de 1630. Os judeus tinham uma importante função, como cristãos-novos, eles falavam fluentemente o português como também o espanhol, servindo de guia e de intermediário nos negócios.  Os judeus passaram a ser financiadores da indústria de açúcar, corretores e exportadores açucareiros, sendo também donos de engenho e consequentemente donos de escravos.
Os cristãos-novos donos de engenhos eram proprietários de escravos, como todo senhor de engenho da época. Corria um boato na colônia, de que os escravos preferiam senhores judeus a portugueses ou holandeses, pois os judeus lhes davam dois dias de descanso por semana, enquanto os portugueses um só dia e os holandeses (com sua doutrina calvinista da valorização do trabalho) nenhum dia de descanso (LEVY 2008, p.45).
Com a vinda dos cristãos-novos, com os incessantes ataques ingleses aos bascos portugueses, o perigo holandês que objetivava a tomada das áreas da nova colônia portuguesa, com o trabalho de catequização dos índios e a luta pela conversão e repreensão dos negros. A Coroa teve que enviar a inquisição, para auxiliar os donos de engenhos portugueses na busca pelo controle ideológico, bem como também pelo interesse econômico propiciado pelo cultivo da cana-de açúcar.  As terras brasileiras foram inspecionadas pela inquisição em 1591-1595, 1618-1620 e 1763-1769. Onde sua principal atuação se dará, sobretudo, em Pernambuco, onde pela ocupação holandesa, obterá o maior numero de cristãos-novos vivendo junto com os judeus, aliando-se aos holandeses. A liberdade exercida pelos judeus, a construção de sinagogas, e as vastas propriedades de engenhos, acirrou ainda mais restrições e perseguições sofridas pelos judeus, fazendo com o que até a inquisição, segundo Levy, penetrasse no território holandês onde não tinha jurisdição e aprisionasse judeus, cristãos-novos para interrogatório...









Considerações Finais
Em todos os lados, tanto na perseguição mais feroz proporcionado pela inquisição portuguesa em sua jurisdição, quanto no território holandês, onde os judeus sofriam restrições, os interesses econômicos mostram-se, mas não unicamente, preponderantemente influenciador nas tomadas de decisão repreensiva contra os judeus, o que estava em jogo não era tão somente a ideologia religiosa, mas a ascensão nas esferas econômicas que as bases eram desestruturadas e direcionadas ao impedimento do avanço econômicos judaico, inferior religiosamente, e que a mesma devem permanecer economicamente inferior. O que predomina aqui é o medo. O medo de perder o poder, o medo de serem subjulgados pelos heréticos o que estar relacionado com a busca pelo divino através da perseguição aos chamados inimigos de Deus.
Referências
AZZI, Riolando. A Cristandade Colonial: mito e ideologia. Petrópolis – RJ: Vozes 1987.
COSTA, Leticia Detoni S. da. O que as Palavras Soam: Vivências religiosas na capitanias de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba em fins do século XVI. Recife 2007.
LEVY, Daniele Tonello. Judeus e Marranos no Brasil Holandes – Pioneiros na Colonização de Nova York, (século XVII). São Paulo 2008.
SILVA, Janaina Guimarães da Fonseca e. Modos de Pensar, Maneiras de Viver: Cristãos-novos em Pernambuco no século XVI. Recife 2007.
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[*] Graduando do curso de Licenciatura em História, pela Universidade federal de Alagoas – UFAL Campus do Sertão. E-mail: Jeffersonsantos.gf@gmail.com.
[2] Nome dado aos bairros judeus.

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