Casa Grande &
Senzala: uma nova visão do Brasil
Jefferson Félix dos Santos[1].
Resumo
Casa Grande & Senzala, foi uma das
maiores obras de Gilberto Freyre, sendo considerada uma das maiores referencias
no estudo da historia do Brasil, no exterior. Sendo criticado como conservador
e ovacionado como revolucionário Freyre, trouxe para a historiografia uma nova
visão do cotidiano e das relações privadas como formas de entender as teias de
interações sociais e políticas que propiciaram o desenvolvimento do Brasil.
Nesta perspectiva pretende-se trazer uma abordagem sunsita do livro Casa Grande
& Senzala, mostrando em um resumo modesto as novas veredas que a
historiografia brasileira tomou, graças à contribuição de Gilberto Freyre.
Palavras-chave: Negro, Miscigenação, Português.
Gilberto Freyre
Conservador, Revolucionário ou os dois!
Uma discussão mãos
profícua é merecedora da importância de Gilberto Freyre como um descobridor do
Brasil e como o instituidor de uma nova metodologia de analise historiográfica
da história do Brasil. Para Merquior, o que Freyre fez foi um radiografia do
passado, para Reis, “O que ele produziu foi uma revivencia do nosso passado em
seu espírito e no espírito do leitor.” (REIS 1999, p.57). Com uma forma de
escrita sensual, Freyre encanta os leitores com seu estilo coloquial transformando
sua obra em uma conversa entre o presente e o passado, um passado em que ele
sente falta e aspira o seu retorno. Em uma analise sobre as contribuições de
Freyre e Braudel, Peter Burke reflete,
“Na década de 30,
Freyre refletiu sobre a história cultural da rede e da cadeira de balanço,
símbolos da voluptuosa ociosidade que os brasileiros em geral – ele sugeriu –
herdaram dos colonos de Pernambuco (cf. Freyre, 1933; 1937 p. 219). Tópicos
como esses, que haviam sido considerados superficiais ou triviais, foram vistos
por ambos historiadores como chaves para as estruturas subjacentes às
diferentes culturas.” (BURKE 1997, p.3).
Para os marxistas Freyre
era considerado um conservador, pois via na colonização o escape do Brasil para
uma nação prospera, sempre enaltecendo o português como o salvador do Brasil,
sem deixar de lado a importância do papel dos escravos como instrumentos de
fertilização para a produção de uma raça mais adaptadas as exigências naturais
da nova terra, porém não fazendo uma discussão sobre as contradições existentes
entre ambas as classes e suas lutas. “Freyre apagaria as tensões, as agudas
contradições reais, que caracterizam as reações sociais entre senhores e
escravos” (REIS 1999, p.59). A análise de Freyre vai ser voltada para as
relações amorosas entre o senhor da casa grande e as escravas da senzala, é no
cotidiano que Freyre irá voltar sua atenção, debruçando-se sempre para a
culinária, os cantos, as danças os prazeres...
De modo geral podemos
comparar o interesse de Freyre pela história do cotidiano social, como ele
ocasionalmente a chamou, com a preocupação corrente com o cotidiano, e seu
interesse na história íntima com o que os historiadores franceses Georges Duby
e Philippe Ariès chamaram histoire de la vie privée(cf. Freyre, 1975, p.147).
Embora não tenha usado o termo “mentalidades”, Freyre certamente esteve
interessado em “ethos” e “valores”. (BURKE 1997, p. 4).
Por outro lado Freyre é
considerado como um revolucionário por ser o primeiro a construir uma historia
das massas, uma historia em que vai analisar o papel do negro e do índio como
agentes decisivos para a construção de uma nova nação. “Ao ser menos critico em
relação ao passado, tornou-se paradoxalmente revolucionário: ele integra os
excluídos do passado em uma visão do Brasil. Os negros, os índios, a
miscigenação, os brancos pobres, a cultura popular...” (REIS 1999, p.60).
Em suma, sendo conservador
e ao mesmo tempo revolucionário Freyre trouxe novas perspectivas historiográficas
brasileiras, sendo referencia no exterior.
Casa Grande &
Senzala
Em sua majestosa, Freyre vai detalhara
formação de uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de
exploração econômica e híbrida de índio (mais tarde o negro) na formação de sua
composição étnica. Um dos três pontos que Freyre coloca no seu livro, dentro dos
parâmetros da colonização portuguesa no Brasil, é o que diz respeito à
miscibilidade do português. O português tinha a capacidade de se misturar
facilmente com outras raças. Os homens vinham sem famílias, sozinhos, chegavam
carentes de contato humano. Com isso houve a reprodução através das índias e
depois com as negras escravas. Era preciso povoar o território. No momento que
embarcou na aventura ultramarina, Portugal tinha 3 milhões de habitantes. Outro ponto que o autor coloca como condição
que favoreceu o português na conquista foi à chamada aclimatabilidade. Portugal
recebia ventos secos vindo do norte da África, assim, seu clima era aproximado
ao africano. Nesse sentido, o Português chegando aqui não sentiria grandes
mudanças, no tocante ao clima tropical.
Gilberto Freyre, ainda
sobre o clima, afirma um fator preponderante: o português no Brasil teve de
mudar quase radicalmente o seu sistema de alimentação. O clima tropical e a
forma agressiva de vida vegetal e animal impossibilitavam a implantação de uma
cultura agrícola nos moldes do costume europeu. Assim, o português teve então
de mudar seus hábitos alimentares, a mandioca substituía o trigo; no lugar das
verduras o milho e as frutas davam um colorido novo na mesa dos colonizadores.
Mas sua dieta ficava empobrecida devido a ausência de leite, ovos e carne que
só apareciam na mesa em datas especiais, como festas e comemorações. Freyre
argumenta que foi a partir das grandes plantações de açúcar, que a sociedade
colonial no Brasil, principalmente em Pernambuco e no Recôncavo baiano,
desenvolvia-se patriarcal e aristocraticamente. Nestas áreas a colonização além
de se desenvolver a supra das grandes plantações de açúcar, desenvolvia-se as
casas-grandes de taipa ou de pedra-cal. Assim, ele diz:
A casa-grande do Engenho, que o colonizador começou ainda
no séc. XVI levantar no Brasil - grossas paredes de taipa ou de pedra em cal,
telhados caídos, no máximo de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais
- não fora nenhuma reprodução das casas portuguesas, mais expressão nova do
imperialismo português. (FREYRE 1996, p. 110).
Era dentro da casa-grande
que se formava a mola propulsora da formação social brasileira: a família
colonial. O processo de equilíbrio de antagonismos que Freyre coloca entre o
branco e o negro: ambos se misturavam no interior da casa-grande e alteravam as
relações sociais e culturais criando um novo modo de vida do séc. XVI.
·
As
relações de poder, a vida doméstica e sexual, os negócios e a religiosidade
formavam na dia-a-dia a base da sociedade brasileira.
·
A
casa-grande abrigava uma rotina comandada pelo senhor de engenho, cuja
estabilidade patriarcal estava baseada no açúcar e no escravo. Sob seu teto
viviam os filhos e as mulheres que fundamentariam a colonização portuguesa no
Brasil. Embora diretamente associada ao engenho de cana e ao patriarcalismo nortista,
a casa grande não era exclusiva do senhor de engenho, pois, podia ser
encontrada na paisagem do sul do país, nas plantações de café, como uma
característica da cultura escravocrata e latifundiária do Brasil.
Para Freyre, os
portugueses não traziam para o Brasil nem separatismos políticos nem
divergências religiosas e os colonizadores não se preocupavam com a pureza da
raça. Assim o país se formava e a unidade dessa grande extensão territorial com
profundas diferenças regionais garantidas muitas vezes com o uso da força,
aconteceu devido à uniformidade da língua e da religião. Mas durante todo o séc. XVI, a colônia esteve
aberta para estrangeiros com uma observação: que fossem de fé ou religião
católica. O que barrava o imigrante era a heterodoxia, acrescenta Freyre, pois,
temia-se no adventício acatólico. Assim, ao longo dos séculos, o catolicismo
firmou-se no Brasil transformando-se no cimento de nossa unidade. A Igreja como já se sabe, desenvolvia planos
ambiciosos de evangelização da América todos ocupados por países de tradição
católica.
·
Para
catequizar os índios, os jesuítas decidiam vesti-los e tirá-los de seu habitat,
já o senhor de engenho tentavam escravizá-los. Nos dois casos o resultado era o
extermínio e a fuga dos primitivos para o interior.
·
A
sociedade brasileira entre todas da América é a que se formava com maior troca
de valores culturais. Havia o aproveitamento de experiências dos indígenas
pelos colonizadores.
·
A reação dos índios à dominação do colonizador
era quase contemplativa. O português usava o homem para o trabalho e a guerra,
principalmente, na conquista de novos territórios e a mulher para a geração e
formação da família. Esse contato provocava o desequilíbrio das relações com o
índio e seu meio ambiente. É como justifica Freyre:
A grande presença
índia no Brasil não foi à do macho, foi a da fêmea. Essa foi a presença
decisiva, a mulher índia tomou-se de amores pelo português, talvez até por
motivos fisiológicos. A índia mulher teve um grande papel na formação do Brasil(
FREYRE 1996, p.170).
A união do português com a
índia gerou mamelucos que atuavam como Bandeirantes. O mameluco e o índio que
excediam o Português defendiam o patrimônio do senhor do engenho contra o
ataque de piratas estrangeiros, nunca firmaram as mãos na enxada, não se
fixaram na plantação de açúcar. As
crenças e as magias marcavam a vida da colônia. A Poligamia e a sexualidade da
índia iam de encontro com a voracidade do português. Ainda falando da
inadequação do índio a escravidão, tanto a Igreja quando o senhor de engenho
fracassavam nos esforços de enquadrar o índio no sistema de colonização que
iria criar a economia brasileira. Fora de seu habitat natural o índio morria de
infecções, fome e outros. Para suprir a deficiência da mão-de-obra escrava os
senhores de engenho de Pernambuco e do Recôncavo baiano, começava a importar
negros caçados na África. Agora as
escravas negras substituíam as índias tanto na cozinha como na cama do senhor e
a presença do negro na agricultura elevava a produção de açúcar e o preço do
produto no mercado internacional.
Os portugueses davam uma
contribuição criativa ao novo mundo, com a produção do açúcar e implantavam um
sistema econômico que aprenderam com os mouros durante a ocupação da Península
Ibérica. Os mouros de grandes tradições agrícolas introduziram a laranjeira, o
limoeiro e a tangerina e implantaram a tecnologia do fabrico do açúcar em
Portugal.
·
Essa
contribuição criativa é que diferenciava o Português do Holandês e do Francês,
que para cá só traziam aperfeiçoamentos tecnocráticos.
·
O
movimento dos Malês na Bahia em 1835, foi considerado um desabafo da cultura
adiantada que era oprimida por outra menos nobre. Contava-se que os revoltosos
sabiam ler e escrever em alfabeto desconhecido. Eram negros que liam e escreviam
em árabe.
·
O
Brasil importava da África não somente o animal de tração que ficava nos
canaviais, mas também técnicos para as minas, donas de casas para os colonos,
criadores de gado e comerciantes de panos se sabão.
O choque das duas
culturas: a europeia e a ameríndia no Brasil colônia se dava mais lentamente
não por meio da guerra, mas, nas relações entre homem e mulher. A igreja
ganhava no Brasil capelas simples dentro do complexo arquitetônico da casa
grande, lá moravam o capelão e dela tirava o seu sustento e essa mesma igreja
através dos jesuítas partia maciça e indiscriminadamente para a catequização
dos índios. Para os padres da Companhia de Jesus, os índios acreditavam em tudo
e aprendiam e desaprendiam os ensinamentos rapidamente. Havia uma grande
quantidade de aldeias espalhadas pela floresta que falavam diferentes línguas,
era preciso unificar as tribos para poder pregar a doutrina católica. O menino
indígena servia de intérprete para os jesuítas, que aprendiam com eles as
primeiras palavras em tupi. Os padres poderão então escrever uma gramática
unificando a língua dos tupis. Estava criado o tupi-guarani.
A sociedade colonial não era em geral uma
sociedade bem alimentada, pois havia um contraste entre os brancos das casas
grandes e os negros das senzalas. Freyre ainda diz que “na formação da nossa sociedade, o mau regime alimentar, agiu sobre o
desenvolvimento físico do brasileiro posteriormente”. Ressaltando a ação da
sífilis no Brasil: a marca da sífilis ostentava uma “ferida de guerra.” Essa
sifilização do Brasil, resultou dos primeiros encontros de europeus com índios.
“De
todas as influências sociais talvez a sífilis tenha sido depois da má nutrição,
a mais deformadora da plástica e a mais depauperadora da energia econômica do
mestiço brasileiro”. (FREYRE 1996 p.402).
Um ponto
no qual Freyre é um pouco polêmico é o que diz respeito ao intercurso sexual
entre o europeu e a mulher índia. O autor afirma que houve uma espécie de
sadismo do branco e de masoquismo da índia ou da negra. Os negros eram um elemento ativo, criador e
pode-se dizer um elemento nobre na colonização do Brasil. Degradados apenas a
condição de escravos. O negro escravo e a cana-de-açúcar fundamentavam a
colonização aristocrática. O canto e a dança dos escravos tornavam-se a casa
grande mais alegre. Na religião convivia a cultura do senhor e do negro. O
catolicismo praticado aqui era uma religião doce, doméstica e de intimidade com
os santos. Os padres concediam aos negros certas vantagens como o direito de
manifestar suas tradições nas festas do terreiro. Nasciam então às religiões
afro-brasileiras, São Jorge é Ogum e Nossa Senhora é Iemanjá. Os negros
começavam a lutar pelo fim da escravidão O senhor de engenho era um homem
extremamente rico e poderoso passava a maior parte do tempo deitado na rede.
Considerações finais
A obra clássica de Gilberto Freyre sem
sombra de duvida é um referencial teórico para os que pretende estudar a
história do Brasil, mesmo sendo visto por uns como conservador e por outros um
revolucionário, não há se quer uma obra tão válida e emblemática como Casa
Grande & Senzala no tocante ao cotidiano e as intimas relações ocorridas
entre o senhor e os escravos, mesmo sendo com um olhar tendencioso instigado
nas entre linhas de Freyre, mas que nos trás uma outra perspectiva de como
fazer história, utilizando não uma linguagem academicamente europeia, mas uma
linguagem legitimamente e sobre tudo brasileira.
Referenciais
BURKE,
Peter. Gilberto Freyre e a nova história.Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S.
Paulo, 9(2): 1-12, outubro de 1997.
FREYRE,
Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 1996.
MOTTA,
R. C. A intuição da história. In: Gilberto Freyre na UnB. Brasília, UnB 1981.
REIS,
José Carlos. Identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: Editora
Getulio Vargas, 1999.
VENTURA,
R. Casa-grande e Senzala: ensaio ou autobiografia? Literatura e
Sociedade,
S„o Paulo, n.6, p.212-222, 2001-2002.
[1]
Graduando no 6º período em Licenciatura em História pela Universidade federal
de Alagoas – UFAL Campus do Sertão.
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